Observa-se que a partir da década de 1980 um movimento global de reestruturação dos aparelhos produtivos varreu o mundo ocidental conduzindo as empresas de base global e também uma série de outras organizações de menor porte a seguirem esse direcionamento que trazia como imperativo principal a necessidade da constante mudança e renovação das bases produtivas para satisfazer as exigências do mercado. O modelo de organização da indústria automobilística Toyota Company serviu de matriz para a maioria desses projetos de modificações de estruturas produtivas para dotálas de maior flexibilidade e agilidade no intuito de satisfazer as exigências do mercado que era apresentado pelas doutrinas neoliberais como uma entidade transcendente que selecionava as organizações mais aptas na disputa pela sobrevivência. A unidade produtiva da Aracruz Celulose S.A. localizada no distrito de Barra do Riacho (INCEL) no município de Aracruz do estado do Espírito Santo passou por essa mesma problemática de modificações no decorrer da década de 1990. Efetuou com este objetivo de alcançar maior agilidade e flexibilidade de seu processo produtivo um projeto audacioso onde suas estruturas produtivas passaram por pungentes modificações entre as quais a conversão dos departamentos, que eram a forma como a estrutura era organizada, em processos e também a informatização de todas as rotinas de trabalho por meio de uma modificação da base técnica na qual os operadores efetuavam suas operações. Nessas transformações necessitou-se que uma modificação dos perfis apresentados pelos operadores dessa indústria viesse a ser consumada. Iniciou-se, assim, um intenso programa de treinamento na segunda fase da reestruturação para que a mão de obra dessa fábrica se atualizasse em termos técnicos e também adquirisse atitudes que propiciassem um maior engajamento de suas atividades com o objetivo maior direcionado pelos gestores de buscar taxas de lucratividade cada vez mais crescentes. No programa de treinamento criado para este fim foram utilizados de forma abundante os recursos disciplinares descritos por Michel Foucault: buscou-se por meio do exame classificar os operadores em termos de habilidades técnicas e também em termos de posicionamento político, além de, com este recurso, criarem-se uma base de dados individual que fornecia dados precisos de cada operador para a avaliação das gerências; buscou-se por meio da sanção normalizadora dosar as recompensas e castigos no intuito de promover a aceitação das novas normalizações das rotinas de trabalho e, por meio da criação de uma pirâmide de olhares característica da vigilância hierárquica, permitir a observação de todos os espaços e todas as ações realizadas no interior da fábrica da INCEL. O resultado desses investimentos políticos disciplinares foi uma brutal produção de subjetividades aliada às modificações da base técnica da fábrica INCEL, onde os posicionamentos políticos contrários a essas modificações foram cerceados pelo trabalho conjunto do exame (na identificação) e da sanção normalizadora (punição). Desenhou-se assim uma relação intrínseca entre as tecnologias de gestão utilizadas no processo de reestruturação produtiva e as subjetividades que emergiram deste processo.
FONTE: HTTP://WWW.DOMINIOPUBLICO.GOV.BR/PESQUISA/DETALHEOBRAFORM.DO?SELECT_ACTION=&CO_OBRA=59840